sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Uma Noite na Taverna: 30 anos sem Nelson Rodrigues!

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Bem, não é assim, digamos... 30 anos sem Nelson Rodrigues. Se falarmos de Nelson Rodrigues por sua arte, sua presença na nossa vida, em nosso cotidiano, não estamos sem Nelson Rodrigues. Pois sua obra está mais viva do que nunca. Seja pelo teatro, ou pelo cinema, ou pela própria televisão, ou por uma gíria, Nelson Rodrigues está presente não só na arte, mas no dia a dia que nos rege, pois ele mesmo, era um observador nato do cotidiano, e debochava, ludibriava e mandava o seu recado como ninguém.

O Uma Noite na Taverna de hoje, 10/12/10, será uma edição especial, com formatação especial (pois como todos sabem o evento tem a poesia como "carro-chefe"), em homenagem a esse escritor ímpar de nossa literatura. Além de também ter a tradicional poesia como manifestação no evento, a Taverna terá várias apresentações teatrais, através de seus textos mais famosos, com a Cia Quarto de Teatro e alguns áudios de A Vida Como Ela É.

Então, ficamos assim: o evento terá a apresentação dos três tavernistas Pakkatto, Rodrigo Santos e Romulo Narducci, os poetas convidados - veteranos desde as primeiríssimas edições - João Brunhosa e Tatiana Ronconi, e como já falamos, a Cia Quarto de Teatro com diversas apresentações de esquetes dos textos do homenageado.

BIOGRAFIA


Nelson Rodrigues nasceu da cidade do Recife - PE, em 23 de agosto de 1912, quinto filho dos catorze que o casal Maria Esther Falcão e o jornalista Mário Rodrigues puseram no mundo. Os nascidos no Recife, além do biografado, foram Milton, Roberto, Mário Filho, Stella e Joffre. No Rio de Janeiro nasceram os outros oito: Maria Clara, Augustinho, Irene, Paulo, Helena, Dorinha, Elsinha e Dulcinha.

Seu pai, deputado e jornalista do Jornal do Recife, por problemas políticos resolve se mudar para o Rio de Janeiro, onde vem trabalhar como redator parlamentar do jornal Correio da Manhã. Em julho de 1916, d. Maria Esther e filhos chegam ao Rio de Janeiro num vapor do Lloyd.
Haviam vendido tudo no Recife para cobrir as despesas de viagem, e tiveram que ficar hospedados na casa de Olegário Mariano por algum tempo. Em agosto de 1916 alugaram uma casa na Aldeia Campista, bairro da Zona Norte da cidade, na rua Alegre, 135, onde a família Rodrigues teve seu primeiro teto na cidade.

Nelson ia sendo criado dentro do clima da época: as vizinhas gordas na janela, fiscalizando os outros moradores, solteironas ressentidas, viúvas tristes, com as pernas amarradas com gazes por causa das varizes. Naquela época os nascimentos eram assistidos por parteiras de confiança e eram feitos em casa. Os velórios também eram feitos em casa, usava-se escarradeira e o banho era de bacia. Nelson registrava em sua memória esse cenário. Daí sairiam os personagens de sua obra literária.

Com o autor vivendo seu quarto ano de vida, um fato pitoresco: uma vizinha, d. Caridade, invade a sua casa e diz para sua mãe: "Todos os seus filhos podem freqüentar a minha casa, dona Esther. Menos o Nelson." Como ninguém entendesse a razão de tal proibição, ela afirmou: vira Nelson aos beijos com sua filha Odélia, de três anos, com ele sobre ela, numa atitude assim, assim. Tarado!
Aos sete anos, em 1919, pediu a sua mãe para ir à escola. Foi matriculado na escola pública Prudente de Morais, a dois quarteirões de sua casa. Aprendeu a ler rapidamente e era por isso elogiado por sua professora, d. Amália Cristófaro. Infelizmente não era muito asseado e vivia sendo repreendido por ela. O que, no entanto, causava espécie, era sua cabeça — desproporcional em relação ao tronco — e suas pernas cabeludas.


Em 1920 ocorreu um fato que, depois, se transformou num dos favoritos do escritor: o do concurso de redação na classe. D. Amália passou a lição: cada aluno deveria escrever sobre um tema livre. A melhor redação seria lida em voz alta na classe. Finda a aula, as composições foram entregues. A professora quase foi ao chão com o trabalho de Nelson: era uma história de adultério. O marido chega em casa, entra no quarto, vê a mulher nua na cama e o vulto de um homem pulando pela janela e sumindo na madrugada. O marido pega uma faca e liquida a mulher. Depois ajoelha-se e pede perdão. A redação, apesar do espanto que causou em todo o corpo docente, não tinha como não ser premiada, muito embora não pudesse ser lida na classe. A professora inventou um empate e leu a outra composição.

Nesse período, Nelson presenciou grandes discussões entre seus pais, causadas por ciúmes que seu genitor tinha de sua mãe. Influenciado por seus irmão mais velhos, passou a ter a leitura como passatempo, saindo rapidamente do Tico Tico para romances mais "pesados" como Rocambole, de Ponson du Terrail, Epopéia do Amor, Os Amantes de Veneza e Os Amores de Nanico, de Michel Zevaco, O Conde de Monte Cristo e as Memórias de um Médico, de Alexandre Dumas, os fascículos de Elzira, a Morta-Virgem, de Hugo de América, e outros mais. Mudavam os autores, mas no fundo era uma coisa só: a morte punindo o sexo ou o sexo punindo a morte.
Foi em 1919 que o autor descobriu o Fluminense. Foi o primeiro ano do tricampeonato do tricolor, muito embora nem ele nem seu irmão Mário Filho, posteriormente famoso como jornalista esportivo e que teve seu nome escolhido para ser o nome oficial do estádio do Maracanã, tivessem dinheiro para sair da rua Alegria e se deslocarem até Laranjeiras para ver o seu time jogar.

Consolidado seu prestígio junto a Edmundo Bittencourt, do Correio da Manhã, Mário Rodrigues junta sua família e muda-se para a Tijuca, fato que, na época, era mostra de nítida melhora de padrão de vida. Estávamos em 1922.
O autor seguia sua vida, sentindo a ausência do pai, sempre envolvido com a política e o jornalismo. No ano de 1926 foi expulso do Colégio Batista, na Tijuca, na segunda série do ginásio, por rebeldia. Nelson vivia contestando seus professores, em especial dos de Português e História. Foi, então, matriculado no Curso Normal de Preparatórios, na rua do Ouvidor, pois seu pai esperava que ele futuramente prestasse exames no famoso Colégio Pedro II.


Para compensar a falta de contato com os filhos, Mário Rodrigues permitia sua ida ao Correio da Manhã para visitá-lo. Dizem que jamais sonhou em ter seus filhos jornalistas: as meninas seriam médicas, os meninos advogados. Afinal, a vida que levava não era nada fácil: nomeado diretor do jornal, meteu-se numa batalha entre Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, o que lhe custou um ano de cadeia, em 1924. O motivo: denunciou que usineiros pernambucanos (eles já existiam!) haviam dado um colar no valor de 120 contos de réis à esposa do então presidente Epitácio Pessoa, d. Mary. Negando-se a fugir do país, ficou preso no Quartel dos Barbonos, na rua Evaristo da Veiga, no Rio de Janeiro. A partir da data de sua prisão o jornal que dirigia — Correio da Manhã — foi silenciado pelo governo por oito meses.

Antes de seu pai ser preso, Nelson e família haviam mudado para uma casa na rua Inhangá e eram vizinhos do hotel Copacabana Palace. Ali, aos doze anos, o autor aprendeu a nadar. Mas, aos poucos, à medida em que entrava na adolescência, foi sendo possuído por uma indolência melancólica, ficando depressivo, suspirando pelos cantos e dizendo: "Eu sou um triste!".
Durante o tempo em que esteve preso, Edmundo Bittencourt cortou o salário de Mário Rodrigues, dando à mãe de Nelson apenas o suficiente para pagar o aluguel da casa. Mário foi ajudado financeiramente, nessa época, por Geraldo Rocha (proprietário do jornal A Noite, concorrente do Correio da Manhã), sem o que sua esposa e a penca de filhos por certo teriam passado fome. Ao ser libertado, volta ao jornal e é surpreendido com a notícia de que não haveria mais um diretor permanente, cargo esse que detinha. Seria feito um rodízio de diretores. Mas pior do que isso foi o fato de tomar conhecimento de que Edmundo estava tentando se aproximar de seu desafeto Epitácio Pessoa. Mário, em carta desaforada, pediu demissão a Edmundo, dizendo que em breve voltaria para esmagá-lo. Daí surgiu seu próprio jornal, A Manhã.

Nelson inicia sua carreira jornalística em 29 de dezembro de 1925, como repórter de polícia, ganhando trinta mil réis por mês. Tinha treze anos e meio, era alto, magro e seus cabelos eram indomáveis. Embora fosse filho do patrão, teve que comprar calças compridas para impor respeito aos colegas de redação.

Ali reuniam-se colaboradores ilustres: Antônio Torres, Monteiro Lobato, Medeiros e Albuquerque, Agripino Grieco, Ronald de Carvalho, Maurício de Lacerda e José do Patrocínio. Além desses, havia a turma da casa: Danton Jobim, Orestes Barbosa, Renato Viana, Joracy Camargo, Odilon Azevedo e Henrique Pongetti. Outra figura de A Manhã era Apparício Torelly — Apporely — que mais tarde se autodenominaria "Barão de Itararé" e fundaria seu próprio jornal, A Manha.

O autor impressiona os colegas com sua capacidade de dramatizar pequenos acontecimentos. Especializou-se em descrever pactos de morte entre jovens namorados, tão constantes naquela época.

Na zona preta do Mangue, na rua Pinto de Azevedo, estavam concentradas as prostitutas mais pobre e esculhambadas, negras na maioria, a dois mil réis por alguns minutos. Mas o autor preferiu as da rua Benedito Hipólito, mais asseadas e que ficavam em ambientes melhores, embora o preço subisse para cinco mil réis. Ali, aos catorze anos, Nelson foi pela primeira vez com uma mulher para dentro de um quarto. Ficou freguês.

O indomável escritor cria um tablóide de quatro páginas intitulado Alma Infantil,nascido da troca de cartas com seu primo Augusto Rodrigues Filho, que não conhecia pessoalmente e que morava no Recife. Ele queria ser como seu pai, um espadachim verbal. Depois de cinco números e muitos ataques a políticos pernambucanos e a cariocas, Nelson desiste do tablóide.


A irmã Dorinha morre em setembro de 1927, aos nove meses, de gastrenterite. Em 1928 a família se transfere para uma nova e luxuosa casa na rua Joaquim Nabuco, 62, em Copacabana. Viviam um momento de muito dinheiro e muita fartura.

Nessa época, o autor e seus irmãos mais velhos trabalhavam no jornal A Manhã: Milton era o secretário, Roberto ilustrava algumas reportagens, Mário Filho começou como gerente, indo depois para a página literária e depois a de esportes. Nelson havia abandonado desde 1927 a terceira série do ginásio no Curso Normal de Preparatórios. Nunca mais voltou à escola, apesar do esforço desenvolvido por seu pai.

Tendo garantido uma coluna assinada na página três do jornal — a página principal — o escritor publica seu primeiro artigo, em 07 de fevereiro de 1928. Tinha o título de "A tragédia de pedra...", com as solenes reticências. Depois vieram "Gritos Bárbaros", "O elogio do silêncio", "A felicidade", e "Palavras ao mar", todos de grande sensibilidade poética. Seu lado monstro só apareceu na crônica de 16 de março, "O rato..." (com as famosas reticências), em que ele conta como viu um rato morto, achatado por um carro, defronte à Biblioteca Nacional. Para desespero de seu pai, começa a "bater" em Ruy Barbosa. No segundo artigo em que esculhambava o "Águia de Haia", antevendo o que aconteceria, Nelson achou que se safaria de seu pai se saísse bem cedo de casa, antes que o "velho" lesse o jornal. Enganou-se. O castigo foi mais duro do que ele imaginava: foi rebaixado, saindo da página três e retornando à seção de polícia, onde trabalhou nos cinco meses seguintes.

Mal teve tempo de voltar à terceira página e o pior acontece. O jornal, mal administrado, está cheio de dívidas. O sócio de seu pai, Antônio Faustino Porto, que há tempos vinha arcando com os pagamentos urgentes, torna-se sócio majoritário e oferece o emprego de diretor a Mário. Este aceita, mas fica só um dia. A intervenção do novo dono em seus artigos faz com que ele e a família deixem o jornal.

Amigo de Melo Viana, vice-presidente da República, no dia em completava 43 anos, 21 de novembro de 1928, e apenas 49 dias depois de perder A Manhã, Mário Rodrigues lançou seu novo jornal de grande sucesso: Crítica, que chegou a ter uma circulação de 130.000 exemplares.
O tenente-coronel Carlos Reis manda a polícia prender todos os Rodrigues que encontrasse, sob a alegação de que um deles era o mandante do assassinato do argentino Carlos Pinto, repórter de A Democracia. Foram, pai e irmãos, todos presos. Nelson escapou por não se encontrar no Rio, em viagem para o Recife, única forma encontrada pela família para tentar livrá-lo da depressão em que se encontrava. Cheio de paixões, ora por Lilia, ora por Carolina e ora por Marisa Torá, estrela da companhia teatral de Alda Garrido.

Ao lado dos primos Augusto e Netinha (com quem mantinha há algum tempo namoro epistolar), conheceu Recife e Olinda, a praia da Boa Viagem e, com Augusto, a zona de mulheres do Cais do Porto, considerada a maior da América do Sul. Sua prima, não se sabe como, tirou-o da depressão, fazendo-o voltar a todo vapor para a redação da Crítica.


Em 26 de dezembro de 1929 o jornal estampa matéria, na primeira página, sobre o desquite de Sylvia e José Thibau Jr. Foi a fórmula encontrada para o diário não sair sem assunto, já que era o primeiro dia após o natal. No dia 27, pela manhã, Sylvia entra na redação da Crítica procurando por Mário Rodrigues. Não o encontrando, pede para falar com seu filho Roberto e dá-lhe um tiro no estômago. Nelson viu e ouviu aquilo tudo. Com dezessete anos e quatro meses, era a primeira cena de violência brutal que presenciava. Seu irmão faleceu no dia 29.

Ninguém conseguirá penetrar no teatro de Nelson Rodrigues sem entender a tragédia provocada pela morte de Roberto. No mesmo dia do enterro, toda a família pôs luto. Os homens ainda podiam sair à rua de terno escuro ou com o fumo na lapela, mas suas irmãs se cobriram de preto da cabeça aos pés. Milton, o irmão mais velho, ia para o porão do palacete, antigo território de Roberto, apagava as luzes e ficava horas no escuro — à espera de um milagre que o fizesse vê-lo e ouvi-lo. Nelson apenas chorava. Joffre, de catorze anos, ganhou um revólver de Mário Rodrigues e passou a andar armado pela cidade à noite. Sabia que Sylvia tivera sua prisão relaxada. Se a encontrasse, a mataria.

Apenas 67 dias após a morte do filho, Mário Rodrigues sofre, aos 44 anos, uma trombose cerebral. Faleceu dias depois de encefalite aguda e hemorragia. Diante de tão sentidas perdas a família não encontra mais condições de morar na mesma casa. Mudam-se para outra casa na rua Sousa Lima, também em Copacabana. Um bafo de sorte surge: Júlio Prestes, que fora elogiado e defendido pela Crítica, vence Getúlio Vargas nas eleições para a presidência da República. Mas o que eles queriam era destruir quem matara Roberto e, por conseqüência, Mário. Sylvia foi absolvida por 5 a 2. O julgamento foi encerrado no dia 23 de agosto, exatamente quando Nelson completava 18 anos.

Estoura a revolução, em 3 de outubro, no Rio Grande do Sul, Minas e quase todo o Nordeste. Crítica, num erro de avaliação, continua a atacar os rebeldes. Em 24 de outubro Washington Luís é deposto e a turba saiu cedo para acertar as contas com os jornais do velho regime. As redações e oficinas de diversos jornais são invadidas e empasteladas. Dentre elas, a do jornal dos Rodrigues. De todos eles só um não voltaria a circular: Crítica. Isso sem contar que Milton e Mário Filho foram novamente presos, porém logo libertados.

Os irmãos começam a procurar emprego, coisa que para eles não estava nada fácil. Foram meses batendo em portas fechadas. Começaram a vender tudo o que tinham para poder sobreviver e, devido ao aluguel sempre atrasado, eram obrigados a mudar de casa a cada três meses. Até que um dia uma porta se abriu para Mário Filho e os outros irmãos penetraram por ela.

Irineu Marinho havia fundado o jornal O Globo em 1925, mas, apenas 21 dias após o jornal circular pela primeira vez, morreu de enfarte. Roberto Marinho, filho de Irineu, era o sucessor natural mas achou-se muito inexperiente para comandar um jornal. Chamou um velho companheiro de seu pai, Euricles de Matos, para tocar o negócio. Mas, em maio de 1931 Euricles também faleceu e Roberto Marinho convida Mário Filho para assumir a página de esportes de O Globo. Mário aceitou, desde que pudesse levar seus irmãos Nelson e Joffre. Roberto Marinho deu seu "de acordo" com a condição de só pagar o ordenado a Mário Filho.

Nelson trabalhou alguns meses no jornal O Tempo. Joffre foi para A Nota, onde já trabalhava o outro irmão, Milton. O escritor era chamado de "filósofo" pelos colegas de O Globo, tinha um aspecto desleixado, um só terno e não vestia meias por não tê-las. Com a ajuda de Mário Martins e o beneplácito de Roberto Marinho, Mário Filho lança seu jornal, Mundo Esportivo, justo no fim do campeonato de futebol. Sem ter assunto, inventaram algo que seria uma mina de dinheiro anos depois: o concurso das escolas de samba.

Em 1932 o autor teve sua carteira assinada em O Globo, um ano após começar a trabalhar naquele diário, com um ordenado de quinhentos mil réis por mês. Entregava todo o dinheiro para sua mãe e recebia uns trocados de volta para comprar seus cigarros (média de quatro carteiras por dia). Em compensação, economizava pois voltava de carona com o "Dr. Roberto" para casa. Para arranjar mais algum dinheiro, trabalhou como redator da firma Ponce & Irmão, distribuidora no Rio dos filmes da RKO Radio Pictures. Criava textos para os anúncios dos filmes nos jornais.

Nesse meio tempo, tinha suas paixões: por Loreto Carbonell, argentina de olhos azuis, bailarina do Municipal; por Eros Volúsia, filha da poetisa Gilka Machado, também bailarina, linda e jovem morena. Dividia com seu irmão Joffre a paixão por ela. Depois vieram Clélia, uma estudante de Copacabana e Alice, professora de Ipanema.

A tosse seca e uma febre baixa, porém persistente, ao por do sol, foram os avisos dados a Nelson, além de sua magreza. Sua irmã Stella, já médica, arranjou uma consulta. O médico pediu que ele dissesse "33" e verificou sintomas de tuberculose pulmonar, o grande fantasma do ano de 1934. Por falta de um diagnóstico precoce, o autor já havia, com apenas 21 anos, arrancado todos os dentes e posto dentadura, numa tentativa de debelar a febre que insistia em não ir embora.

Vai, então, para Campos do Jordão - SP, local recomendado para tratamento, sozinho, sem saber se voltaria. Foi a primeira de uma série de seis internações. Roberto Marinho, sabendo das dificuldades da família, continuou pagando seu ordenado normalmente. Nelson passou 14 meses no Sanatórinho, de abril de 1934 a junho de 1935. Durante esse período só os irmãos Milton e Augustinho foram visitá-lo uma única vez. Compensava a ausência de parentes e amigos com cartas, muitas delas para Alice, a professorinha.


Contam que, em 1935, um doente propôs encenarem um teatrinho. O biografado foi encarregado de escrever a comédia, um "sketch" cômico sobre eles mesmos. Logo nas primeiras cenas a platéia começou a gargalhar e, com isso, surgiram os ataques de tosse que quase fizeram vítimas. Foi a primeira experiência "dramática" de Nelson.

O autor pede ao secretário do jornal O Globo que o transfira da página de esportes para a de cultura. Queria escrever sobre ópera. Com a ajuda de Roberto Marinho consegue a transferência e começa arrasando a "Esmeralda", ópera brasileira do compositor Carlos de Mesquita. Foi sua única incursão nessa área.

Em abril de 1936, a terrível doença atacou seu irmão Joffre, com 21 anos, que foi levado para o Sanatório em Correias - RJ. Nelson ficou a seu lado durante sete meses. No dia 16 de dezembro de 1936 Joffre faleceu.

Em 1937 a redação do jornal só tinha homens. Após muita conversa Roberto Marinho concordou em contratar Elza Bretanha, apadrinhada do diretor administrativo, como secretária de Henrique Tavares, gerente de O Globo Juvenil. Voltando de sua segunda estada em Campos de Jordão, Nelson foi informado da presença de Elza, "dezenove anos, moradora do Estácio e dura na queda." Ele, então, sentenciou: "Está no papo." Errou.

Nelson se aproxima de Elza, expõe sua situação de penúria de saúde e financeira, e fala em casamento. Consultada sua família, não encontrou objeção. Afinal, já tinha 25 anos. A mãe de Elza, d. Concetta, siciliana das boas, quase teve um ataque, tendo a honra de ter sido acompanhada nisso por Roberto Marinho. Ele disse a Elza: "Está sabendo que vai se casar com um rapaz muito inteligente e de grande talento, mas pobre, absolutamente preguiçoso e doente? Sua mãe está coberta de razão!" Mesmo assim marcaram para se casar no dia do aniversário de Elza: 08 de maio de 1939. Se fosse preciso, fugiriam. Porém, em 13 de maio, mandou para a noiva um recado que dizia: "Amor, estou com a alma cheia de pressentimentos tristes". Era a tuberculose que o atacava novamente.

Nos quatro meses em que ficou internado, Nelson mostrou seu lado ciumento. Vivia atormentado com isso e, na volta, acabou desfazendo o noivado. Mas o coração falou mais forte do que o infundado ciúme e marcaram novamente o casamento, contrariando a mãe da noiva e o patrão de ambos.

No dia 29 de abril de 1940, sem externar qualquer anormalidade, Elza saiu para trabalhar, foi para a casa de uma amiga onde trocou de roupa e casou-se no civil, diante do juiz. Depois, foram comemorar tomando uma média com torrada na leiteria "Palmira". Voltaram para O Globo Juvenil e trabalharam normalmente. Haviam acertado, por vontade de ambos, que a noite de núpcias só aconteceria após o casamento religioso.

Os irmãos de Elza ficaram sabendo e falaram até em matá-lo. Nelson, com a alma leve, alugou uma casinha no Engenho Novo. Era sua volta ao subúrbio. Compraram móveis de segunda mão e Mário, o irmão, lhe deu de presente a cama de casal e a penteadeira. Finalmente d. Concetta dá o "de acordo" e o casamento religioso se realiza, em 17 de maio, após o autor, com quase 28 anos, ter sido batizado, fazer a primeira comunhão e estudado o catecismo, como manda a santa madre Igreja.

Após seis meses de casamento, certa manhã Nelson acorda e comunica a Elza que estava cego. Não enxergava nada. Descobriu, indo ao médico, que se tratava de uma seqüela da tuberculose. Tomou muito antiinflamatório, melhorou, mas 30 por cento de sua visão estava perdida para sempre, nos dois olhos. Apesar do estado de penúria em que se encontravam, o focalizado pediu a Elza que deixasse o emprego quando se casassem. Logo que pode comprou um telefone e ligava para ela de hora em hora. Saudades ou ciúme? Nelson procurava uma saída para seu aperto financeiro. Elza estava grávida e seu salário estava estagnado nos 500 mil réis mensais. Um dia, ao passar em frente ao Teatro Rival, viu uma enorme fila que se formava para assistir "A família Lerolero", de R. Magalhães Júnior. Alguém comentou: "Esta chanchada está rendendo os tubos!" Uma luz se acendeu na cabeça do autor: por que não escrever teatro?

No meio do ano de 1941 escreveu sua primeira peça, A mulher sem pecado. Nessa época as peças ficavam, no máximo, duas semanas em cartaz. Nelson oferece sua peça para dois grandes artistas de então: Dulcina e Jaime Costa, mas eles a recusam. O autor, necessitando de dinheiro, começou a se mexer: submeteu a peça a Henrique Pongetti, Carlos Drummond de Andrade e ao crítico Álvaro Lins. Mas não conseguiu encená-la.

Nasce Joffre, seu primeiro filho. O autor, por ordens médicas, não podia ficar perto do filho. Descobre que foi premiado com uma úlcera do duodeno. O médico lhe prescreve regime alimentar e manda que ele pare de tomar café e de fumar, coisa que nunca fez. Depois de muita luta, em 09 de dezembro de 1942, A mulher sem pecado foi levada à cena pela "Comédia Brasileira", com direção de Rodolfo Mayer, no Teatro Carlos Gomes, no Rio de Janeiro. Lá ficou por duas semanas e não teve repercussão nenhuma perante o público. Alguns críticos e amigos elogiaram, e isso bastava ao autor.

Em janeiro de 1943 Nelson escreve sua segunda peça teatral: Vestido de Noiva. Elza, sua mulher, fez mais de vinte cópias datilografadas para serem entregues a jornalistas, críticos e amigos. O primeiro a receber foi Manuel Bandeira. Ele gostou. Como outros, escreveu sobre ela e elogiou. Os jornais e suplementos falavam sobre Vestido de Noiva mas o autor não conseguia encená-la. Todos diziam que era uma peça que exigia cenário complexo e teria custo muito alto. Só Thomaz Santa Rosa, um pernambucano ex-funcionário do Banco do Brasil, cantor lírico, desenhista, músico e poeta, achou que era possível. Falou então com um polonês recém-chegado ao Brasil: Zbigniew Ziembinski.

O grande ator e diretor leu a peça e disse: "Não conheço nada no teatro mundial que se pareça com isso". O autor conhece o diretor e tem início a epopéia do grupo "Os Comediantes": oito meses de ensaios, oito horas por dia. Às 20h30 do dia 28 de dezembro de 1943, os portões foram abertos e 2.205 espectadores viram a peça. Duas horas depois a peça chegou ao fim. O silêncio foi total na platéia. Nos bastidores ninguém sabia o que fazer. Ziembinski, entre palavrões em polonês, manda subir o pano. Os artistas surgem e o aplauso é ensurdecedor. O diretor aparece e o teatro delira. Alguém grita na platéia: "O autor, o autor". Nelson estava escondido em um camarote, lutando contra a dor de sua úlcera, e não foi visto por ninguém. Disse, depois, que sofreu naquele momento, sentindo-se "um marginal da própria glória". Quando o autor, após as comemorações com a família na leiteria "Palmira", pegou o bonde de volta para casa já eram quase duas da manhã de 29 de dezembro de 1943. Naquele momento completavam-se catorze anos da morte de seu irmão Roberto.

Apesar da fama que a peça lhe deu — o ano de 1944 foi cheio de acontecimentos — ele continuava sendo mal pago pelo O Globo Juvenil. Em fevereiro de 1945 é convidado por David Nasser, de O Cruzeiro, para uma conversa com Freddy Chateaubriand. Foram almoçar, além do autor, Freddy Chateaubriand, Millôr Fernandes e David Nasser. A oferta era inacreditável: cinco contos de réis (já nessa época cinco mil cruzeiros) — mais de sete vezes o que lhe pagava Roberto Marinho.


Para ele estava fechado, mas pediu para falar com o dr. Roberto, a quem devia favores. Esse não só não se opôs como desejou-lhe boa sorte e deu-lhe dez mil cruzeiros. Nelson foi para seu novo emprego: diretor de redação das revistas Detetive e de O Guri. Como a função lhe tomava pouco tempo, o autor ficava perambulando pela redação da revista O Cruzeiro, que era no mesmo andar. Sempre procurando fazer "bicos" que permitissem um ganho extra — continuava a ajudar sua mãe financeiramente — soube que Freddy Chateaubriand estava querendo comprar um folhetim francês ou americano para O Jornal, que estava com uma tiragem de apenas 3.000 exemplares por dia e sem anúncios. Nelson ofereceu-se para escrever o folhetim. Daí nasceu Suzana Flag e Meu destino é pecar.

Cada episódio tomava uma página inteira de O Jornal e tinha uma ilustração de Enrico Bianco. Foram 38 capítulos que elevaram a tiragem do jornal para quase trinta mil exemplares. Apesar de estar ganhando um extra por capítulo, o autor não gostava que soubessem que escrevia com pseudônimo feminino. Quando a história terminou, o sucesso foi tão grande que foi lançado um livro pelas Edições O Cruzeiro. Calcula-se que a venda tenha ultrapassado a trezentos mil livros. Isso provocou o começo de outro folhetim, Escravas do amor, cujo sucesso foi também retumbante.

Em março de 1945 é atacado, novamente, pela tuberculose. O ano anterior havia sido ótimo: além do lançamento em livro do Vestido de noiva, ele via seu filho crescer com saúde e Elza esperava um novo filho. Resolveram ir todos para Campos de Jordão, inclusive a sogra, d. Concetta. Depois de uma semana viram que aquilo não fazia sentido e a família retornou. Em junho teve alta e, face à proximidade do parto de sua mulher, voltou correndo para o Rio. Nasceu, então, Nelsinho. Vale dizer que os Associados arcaram com todas as despesas de seu empregado no Sanatórinho. Nos dois últimos meses de 1945 e nos dois primeiros meses de 1946 o grupo "Os Comediantes" encenou Vestido de noiva e A mulher sem pecado no Teatro Phoenix, com lotação esgotada. Começa a escrever, então, Álbum de família. Em fevereiro de 1946 o texto é submetido à censura federal e os censores ficam de cabelos em pé. A peça foi proibida de ser encenada. As opiniões se dividiam entre os intelectuais, os críticos e os jornalistas da época, uns a favor da liberação outros contra. Venceram os contra, pois a peça só foi liberada em 1965 e levada pela primeira vez em julho de 1967.

Outro sucesso de 1946 foi a publicação de Minha Vida, uma "autobiografia" de Suzana Flag. Como das vezes anteriores, além de publicada em O Jornal, virou livro e vendeu horrores.
Anjo negro, estréia em abril de 1948. Como sempre, gerou comentários polêmicos. Os ganhos com a peça permitiram que o autor comprasse uma casa no Andaraí, que teve parte financiada no IAPC (Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Comerciários). Nelson tinha 36 anos e ficara livre do aluguel. Senhora dos afogados é proibida em janeiro de 1948. Com duas peças interditadas, o autor luta como um mouro para tentar liberá-las. Não conseguindo, escreve Dorotéia, em 1949, que muitos consideram seu melhor trabalho teatral.

Ainda em 1948 é publicado mais um folhetim, Núpcias de fogo, ainda como Suzana Flag.
Uma mulher chama a atenção do autor nas coxias do Teatro Phoenix, quando da encenação de Anjo negro: era Eleonor Bruno, conhecida como Nonoca, linda "mingnonne", tímida, recatada e soprano lírico, que estava ali para tomar conta de sua filha de apenas 13 anos, Nicete, que estreava como atriz. Embora nunca reclamasse, seu casamento não ia bem, e ele foi aceito por Nonoca e por toda sua família. Alugou um apartamento pequeno em Copacabana, em sociedade com o amigo Pompeu de Souza, para servir-lhes de "garçonnière", até que num dia de 1950 sua esposa Elza bateu na porta, fez um escândalo e ele voltou com o rabo entre as pernas para casa. Seu romance com Nonoca terminou ali.

Em 1949 Freddy Chateaubriand vai comandar o jornal "Diário da Noite" e leva Nelson consigo. Para trás fica Suzana Flag, que o autor não agüentava mais. Em seu lugar surgiu Myrna, a nova máscara feminina do biografado. A diferença é que Myrna respondia a cartas de leitoras.
Nelson escreveu a comédia Dorotéia para Nonoca. Foram duas as estréias como atrizes: de Nonoca e da irmã do autor, Dulcinha, aos 21 anos, no papel de Das Dores. Com medo de que a censura o atingisse novamente, o autor submeteu-lhe o texto como sendo um "original de Walter Paíno" — cunhado de Nonoca. A peça foi aprovada e estreou no dia 07 de março de 1950. Ao fim da apresentação, metade da platéia (onde estavam os convidados) aplaudiu e a outra saiu calada. Ficou 13 dias em cartaz.

Em 1950 o autor dá adeus a Freddy Chateaubriand e aos "Diários Associados" e fica esperando convites de outros jornais. Ficou um ano esperando... Nesse período, salvam a família as economias de Elza e um "bico" no Jornal dos Sportes de seu irmão Mário Filho. No ano seguinte sai do buraco e vai para a Última Hora e "A vida como ela é...". Começou com um salário de dez mil cruzeiros, considerado não tão ruim, tendo em vista seu baixíssimo prestígio naquela época.
Em junho Nelson estréia uma nova peça, "Valsa nº. 6", um monólogo estrelado por sua irmã Dulcinha. Ficou quatro meses em cartaz e foi outra desilusão para seu autor.

Samuel Wainer, dono do jornal Última Hora tinha algo em comum com o biografado: a tuberculose. Propõe ao autor que escreva, com pagamento extra, uma coluna diária sobre um fato real. Poderia se chamar "Atire a primeira pedra". Nelson sugeriu "A vida como ela é..." e, sugestão aceita, foi para a máquina escrever a primeira coluna. O sucesso foi estrondoso. Em 1951 relançou Suzana Flag em "O homem proibido".

Um dia, na rua Agostinho Menezes, onde então Nelson morava, um marido banana que era chutado como um cão pela esposa e ainda a bajulava, cansou-se do tratamento que vinha recebendo e, no meio da rua, deu uma sova de cinto na cara-metade. É claro que a vizinhança correu para ver o fato, sendo que as mulheres gritavam: "Bate mais, bate mais". O marido bateu até se cansar, parou, e então o inesperado aconteceu: a mulher atirou-se aos seus pés, aos beijos. E, desde aquele dia, passou a desfilar com o ex-banana, de braço dado e nariz empinado, toda orgulhosa. Ao ouvir os comentários das vizinhas que tinham apoiado maciçamente a surra, Nelson concluiu: "Toda mulher gosta de apanhar".

Em 08 de junho de 1953 estréia no Teatro Municipal do Rio a peça "A falecida". Chamada de "tragédia carioca" era, na verdade, uma comédia. Foi escrita em 26 dias. Nessa época Nelson mantinha um romance com Yolanda, secretária de um radialista da rádio Mayrink Veiga. Esse caso durou cinco anos e rendeu três filhos: Maria Lúcia, Sônia e Paulo César, que ele não reconheceu como seus. Com tudo isso acontecendo, o autor produziu o último folhetim de "Suzana Flag", que chamou-se "A mentira" e foi publicado no semanário "Flan", lançado por S. Wainer.

Carlos Lacerda queria derrubar o presidente Getúlio e, para tanto, batia firme em Samuel Wainer e no jornal Última Hora. Nelson não escapava da pancadaria e era chamado de "tarado" por ele. Outro que também o atacava era o católico Gustavo Corção, da Tribuna da Imprensa.


"Senhora dos Afogados" é encenada no Rio, em 1954, com direção de Bibi Ferreira. A platéia, ao final, dividiu-se e uma parte gritava "GÊNIO" e a outra "TARADO". O autor não agüentou e reagiu à platéia, gritando do palco: "BURROS! BURROS!".

Em março de 1955 a família Rodrigues ganha uma ação contra o governo de indenização pela destruição do jornal "Crítica". Em 1956 recebem o equivalente a US$1.800.000,00. A parte que coube ao autor foi utilizada na compra de um apartamento em Teresópolis em nome dos filhos e de um carro para Elza. O que sobrou, investiu no teatro.

"Perdoa-me por me traíres" teve, também, problemas de liberação com a censura, em 1957 — sofreu cortes. Outra surpresa ocorreu na estréia: Nelson interpretava o personagem Raul. Mais uma vez as vaias e os que aplaudiam pediam para o autor falar. Ele não se fez de rogado: "BURROS! ZEBUS!". Ninguém esperava, mas aconteceu: um tiro! Na discussão entre prós e contras, o vereador Wilson Leite Passos sacou de seu revolver e deu um tiro para amedrontar alguém que o havia chamado de "palhaço". Tumulto geral. No dia seguinte a censura proibiria a peça.

"Viúva, porém honesta" estreou em 13 de setembro do mesmo ano. Dizem que nela o autor procurava atingir aos críticos que atacaram "Perdoa-me por me traíres". Um dos atores era Jece Valadão, cunhado do autor.

Dercy Gonçalves estréia "Dorotéia" em São Paulo. Ficou um mês em cartaz. Nelson não gostava dos "cacos" que a atriz introduzia no texto.
Em 1958 estréia "Os sete gatinhos", também com Jece Valadão no elenco. Apesar de malhar o presidente da República da época, Juscelino Kubitschek, Nelson vai até ele pedir um emprego. Consegue um cargo de tesoureiro em um instituto de aposentadoria e pensões (IAPETEC), mas é reprovado no exame de vista. Pede, então, a vaga para Elza. Juscelino queria agradar Mário Filho e a nomeia.

O autor teve sério problema de vesícula e, após a operação de alto risco, ficou três meses sem publicar sua coluna no jornal de Wainer. Sua coluna em "A Manchete Esportiva" deixa de ser publicada de novembro de 1958 a março de 1959.

De agosto de 1959 a fevereiro de 1960, centenas de milhares de leitores acompanharam a história de Engraçadinha e sua família em "Asfalto Selvagem". Foram publicados dois livros, intitulados "Engraçadinha — seus amores e seus pecados dos doze aos dezoito" e "Engraçadinha — depois dos trinta".

O autor almoçava com sua mãe quase todo dia. Tomava o ônibus na Central do Brasil e ia até o Parque Guinle. Um dos motoristas gostava de exibir-se: tinha vinte e sete dentes na boca, mas eram todos de ouro. Nelson juntou esse fato ao bicheiro do submundo carioca, Arlindo Pimenta, e dai surgiu o "Boca de Ouro".

A peça, como todas as demais, teve problemas com a censura. Foi levada para estrear em São Paulo e foi um retumbante fracasso. Ziembinski insistiu em viver o papel principal e não deu certo. Em janeiro de 1961, com Milton Morais no papel do "Boca de Ouro", estréia no Rio com grande sucesso.

Ainda no final de 1960 o autor entrega a Fernanda Montenegro e a seu marido Fernando Tôrres a peça "Beijo no asfalto". O espetáculo estava a um mês e meio em cartaz quando Jânio Quadros renunciou à presidência da República. Ficou sete meses em cartaz, pelo Brasil. Ela provocou a saída de Nelson da "Ultima Hora", pois nela fazia referências pouco positivas à imagem do jornal. Voltou ao "Diário da Noite" com "A vida como ela é" e, após dez meses, em julho de 1962, foi para "O Globo", com a coluna de futebol, "À sombra das chuteiras imortais".

Apresentado por sua irmã Helena, Nelson conhece Lúcia Cruz Lima, que logo passa a ser sua namorada. Só que desta vez a coisa era séria. Casada e bem casada, mãe de três filhos, ela logo se apaixona, deixa o marido e volta a viver com os pais. Ele demora dois anos para se separar de Elza. Seus amigos Otto Lara Resende, Fernando Sabino e Cláudio Mello e Souza ficam chocados. Nos primeiros meses de 1963 nada impedia a separação do autor. Já havia alugado um pequeno apartamento e Lúcia estava grávida. Após um almoço de despedida, após o qual Elza tentou suicidar-se, ele partiu de malas e bagagens para o apartamento de sua mãe. Ia ficar lá uns tempos até acertar tudo.

Na marquise do Teatro Maison de France, no Rio, piscava o título da nova peça de Nelson: "Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária". Otto quase morreu de susto e ficou profundamente irritado. Ela ficou por cinco meses em cartaz. O autor só não se conformou de Otto não ter ido assistir ao espetáculo. Ele adorava essas brincadeiras e fez o mesmo com Fernando Sabino e com Cláudio Mello e Souza.

Lúcia deu um trato na aparência do escritor, já que ele participava desde 1960 do programa esportivo "Grande resenha Facit" na TV Rio, por obra e graça de Walter Clark, e era, portanto, um artista! Ela teve uma gravidez nada normal e um parto difícil. Daniela, a filha, nasceu com 1,5 quilo, e não conseguia respirar. Perdeu minutos de oxigenação no cérebro até que conseguissem fazer seus pulmões funcionarem. Daniela passaria o primeiro ano de sua vida numa tenda de oxigênio, tinha má circulação nas pernas, chorava sem parar em virtude das dores que sentia. Devido à paralisia cerebral nunca conseguiu andar ou articular um movimento e era irreversivelmente cega.

Nelson escreveu para Walter Clark a primeira novela brasileira de todos os tempos: "A morte sem espelho". Apesar do grande elenco — Fernanda Montenegro, Fernando Tôrres, Sérgio Brito (que também respondida pela direção), Ítalo Rossi, Paulo Gracindo (que estreava na TV), música de Vinícius de Moraes — não foi autorizada a sua apresentação às oito e meia da noite. Foi empurrada para o horário das vinte e três e trinta. Walter Clark apelou, sem sucesso, até para D. Helder Câmara. Conseguiu, finalmente, autorização para o horário das dez horas, que não compensava financeiramente. Nelson foi convidado a encerrá-la rapidamente.

Ficou claro nesse episódio que o problema era o nome do autor. Na sua novela seguinte, "Sonho de Amor", em 1964, seu nome apareceu mas ela foi anunciada como 'uma adaptação de "O Tronco do Ipê"', de José de Alencar". Sua última novela para a TV foi "O Desconhecido", com direção de Fernando Tôrres e Jece Valadão, Nathalia Timberg, Carlos Alberto, Joana Fomm e outros mais, que só foi liberada graças ao poder de convencimento de Walter Clark.

Depois de ser renegada por muitas atrizes, "Toda nudez será castigada" estréia no dia 21 de junho de 1965 e é um sucesso. Os artistas são aplaudidos em cena aberta, os ingressos são avidamente disputados e fica em cartaz por seis meses no Teatro Serrador e em excursão pelo Brasil. Após três anos de apresentações no Rio, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, a peça é proibida em Natal - RN.

Em 1966 o autor muda-se, a convite de Walter Clark, para a TV Globo. Em situação financeira apertada — como sempre — aceitou até aparecer como "tradutor" dos romances de Harold Robins, publicados pela Editora Guanabara. Foi uma forma de receber mais algum dinheiro. A TV Globo era a "lanterna" na preferência dos telespectadores naquela época. No programa "Noite de gala" o autor apresentava o quadro "A cabra vadia", onde entrevistava pessoas. O primeiro foi João Havelange, presidente da CBD - Confederação Brasileira de Desportos.

Nessa época é chamado por Carlos Lacerda, ocasião em que é informado da criação da Editora Nova Fronteira. Lacerda, que o malhou por tanto tempo, pediu-lhe um romance e deu-lhe um cheque de dois milhões de cruzeiros. Era algo em torno de novecentos dólares, mas para quem estava pendurado, foi ótimo. Ele escreveu "O Casamento". Quando Lacerda leu o livro, ficou assustadíssimo Era um carnaval de incestos e perversões às vésperas de um casamento. Vendeu-o para Alfredo Machado, da Editora Eldorado. O livro vendeu 8.000 exemplares nas primeiras duas semanas de setembro de 1966, empatando com as vendas do novo romance de Jorge Amado, "Dona Flor e seus dois maridos". A morte de seu irmão, Mário Filho, impediu por algum tempo que ele fizesse a divulgação da obra. Quando reanimou, o livro teve sua venda proibida pelo ministro da Justiça, Carlos Medeiros Silva. Sua venda foi liberada novamente em fevereiro de 1967.

Indignado com o apoio dado pelo jornal "O Globo" à proibição da venda de seu romance, Nelson começa a estudar sua mudança para o "Correio da Manhã". Avisa que não pode deixar a TV Globo e, para sua alegria, é informado que não precisaria deixar nem o jornal "O Globo". O que o "Correio" queria dele eram as suas "Memórias". A estréia ocorreu em 18 de fevereiro de 1967 em grande estilo. Fez um sucesso enorme.

Paulinho Rodrigues, irmão do autor, morava com a família num prédio em Laranjeiras. Chovia a cântaros, dias antes, e Nelson disse a Cláudio Mello e Souza no Maracanã, assistindo o time do Santos ganhar do Milan: "Esse é um mau tempo de quinto ato do "Rigoletto'". Cláudio sabia que o "Rigoletto" não tinha quinto ato e que acabava no terceiro ato, como a maioria das óperas. Mas entendeu o que o autor queria dizer. No dia 21 de fevereiro de 1967 o prédio onde seu irmão morava desabou devido às chuvas. Morreram Paulinho, a esposa, filhos e mais alguns parentes que lá se encontravam para festejar o aniversário da cunhada do escritor. Em dezembro desse mesmo ano a viúva de seu irmão Mário se suicida.

Raphael de Almeida Magalhães, que já atuara como advogado de Nelson, é eleito governador do Estado da Guanabara. A pedido de Otto, e por insistência do biografado, finalmente libera "Álbum de Família", que estava interditada desde 1946. Só em julho de 1967 foi levada à cena e, apesar do carrossel de incestos, foi aplaudida no final. Já não tinha o impacto de tempos atrás.

Ele volta ao jornal "O Globo" passa a publicar "À sombra das chuteiras imortais" e "As confissões" (já que não podia usar "Memórias"), cada uma patrocinada por um banco. Como recebia uma comissão por esses patrocínios (mais que o dobro de seu salário), estabilizou sua situação financeira. A primeira "Confissão" foi publicada em 04 de dezembro de 1967.

Uma de suas manias era implicar com os pessoas conhecidas e com amigos. Era do seu estilo alimentar-se periodicamente de certas obsessões. Como dizia Cláudio Mello e Souza, Nelson era a "flor de obsessão". Ora Otto, ora Alceu de Amoroso Lima, ora D. Helder, ora Hélio Pellegrino, ora Cláudio Mello e Souza e quem mais estivesse por perto.

1970 marca o início dos anos duros da ditadura militar no Brasil. Nelson, conhecido e admirado pelos militares, luta para tirar da prisão Hélio Pellegrino e Zuenir Ventura. Com mais de 57 anos, ele se sentia desgastado, sem espaço — seu apartamento vivia lotado de enfermeiras por causa de sua filha, enfim, era chegada a hora de se separar de Lúcia, o que ocorreu sem traumas.

Logo em seguida vai morar com Helena Maria, que era 35 anos mais nova que ele, e que trabalhava com ele no jornal. Em 1972 começa nova luta: seu filho, Nelsinho é um dos terroristas mais procurados pelas forças armadas. "Prancha" (seu codinome) foi apanhado em 30 de março de 1972. Dois anos antes, quando seu filho já vivia na clandestinidade, Nelson consegue com o presidente da República, Gal. Medici, que ele saísse do país. Nelsinho não aceita o privilégio. O drama de Nelsinho se desenrolava longe dos olhos do autor. Apesar disso, face a seu prestígio e contatos com os militares, era muito procurado para ajudar pessoas em apuros com o regime militar. De 1969 a 1973 ele teve participação ativa na localização, libertação ou fuga de diversos suspeitos de crimes políticos. Após a prisão de Nelsinho, começa a luta para localizá-lo e procurar mantê-lo vivo, pois a tortura corria solta.

Nelson escreve "Anti-Nelson Rodrigues" no final de 1973. Em 1974, a peça fazia bela carreira no teatro do Serviço Nacional do Teatro. O autor faz alguns exames e é levado de imediato para São Paulo para ser operado de um aneurisma da aorta. Passou por duas operações, quase morreu, retornou ao Rio e, apesar de terminantemente proibido pelo médico, voltou a fumar. Em abril de 1977 é internado com uma arritmia ventricular grave e nova insuficiência respiratória. Elza volta para casa e voltam a viver juntos. Na verdade, já se encontravam há tempos quase todas as noites no restaurante "O bigode do meu tio", em Vila Isabel, de propriedade de Joffre.

O autor escreveu sua grande e última peça — "A Serpente" — em meados de 1979, pouco antes de seu filho Nelsinho iniciar greve de fome com treze companheiros, os últimos presos políticos cariocas, com a finalidade de transformar a anistia ampla em anistia total e irrestrita. Finalmente, no dia 23 de agosto, dia do aniversário do autor, Nelsinho é autorizado a deixar a prisão e assistir ao nascimento da filha Cristiana. No dia 16 de outubro Nelsinho recebeu a liberdade condicional mas não pode ver seu pai: estava inconsciente no hospital Pró-Cardiaco.

Nelson Rodrigues faleceu na manhã do dia 21 de dezembro de 1980, um domingo. No fim da tarde daquele dia ele faria treze pontos na loteria esportiva, num "bolo" com seu irmão Augusto e alguns amigos de "O Globo". Dois meses depois, Elza cumpriu o seu pedido — de, ainda em vida, gravar o seu nome ao lado do dele na lápide, sob a inscrição: "Unidos para além da vida e da morte. É só".

Matéria exclusiva do site: http://www.releituras.com/

Ô Gorda, quem desenhou caralhinhos voadores no banheiro?!
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sábado, 4 de dezembro de 2010

AVISO IMPORTANTE!

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É com imensa tristeza que anunciamos a impossibilidade da realização do 7º aniversário do Uma Noite na Taverna, que seria realizado no SESC São Gonçalo em janeiro de 2011.
O SESC de São Gonçalo, infelizmente não poderá realizar nenhum evento em janeiro, por questões internas, que não nos cabe falar, mas a partir de fevereiro já nos foi garantido a permanência do evento na casa. Entendemos a dificuldade de ter que gerir cultura nesse país e concordamos em permanecer na parceria com o SESC durante todo o ano de 2011. Pois sempre fomos bem recebidos pela casa, e não será por questões burocráticas que fogem ao alcance da unidade de São Gonçalo que iremos nos abalar.
Porém, como vocês nos conhecem, estamos muito a fim de realizarmos a festa de comemoração aos 7 anos do Uma Noite na Taverna. Estaremos buscando apoio para que isso se concretize.
Fiquem atentos, pois se tudo correr bem, estaremos anunciando o local de onde será realizado o aniversário da Taverna em janeiro de 2011.
Agradecemos a todos pela compreensão!
Se algum empresário estiver interessado em apoiar nossa festa, entre em contato:
tavernistas@gmail.com ou romulo.narducci@gmail.com
Evoé!
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Evento: Uma noite com Florbela Espanca, Taverna com devoção à poeta portuguesa!

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Não havíamos nos dado conta de que o evento cairia na véspera de um feriadão! Sim, a Taverna aconteceu na sexta-feira, 12 de novembro, que precedia o feriado de 15 de novembro, em que se "comemora" a Proclamação da República do Brasil. Alguém se lembrava? Mas, mesmo com muitas pessoas na estrada para curtir mais um longo feriado à brasileira, a Taverna teve um bom público, que prestigiou a poesia da homenageada Florbela Espanca e aos artistas que se apresentaram, e também ao esperado livro do poeta Romulo Narducci que foi lançado no dia.
O evento, começou com a já ritualística homenagem recitada pelos três tavernistas Pakkatto, Rodrigo Santos e Romulo Narducci, que leram com devoção os poemas da portuguesa Florbela Espanca.


Após a homenagem a Florbela, o poeta Romulo Narducci apresentou ao público pela primeira vez o seu segundo livro de poesia, Tudo Que morre é Consumado. Narducci leu poemas do livro e recebeu o público para autografar os exemplares que estavam à venda no local.

O poeta Romulo Narducci recebeu dentre o público, amigos e artistas na noite de autógrafo do Tudo Que Morre é Consumado, como a poeta Tatiana Ronconi - que estará recitando na próxima Taverna - e o amigo, o jornalista, poeta e escritor, Rod Britto, que veio do Rio para contemplar o amigo (conforme fotos abaixo).



Pela primeira vez, a Taverna recebeu o poeta Nereis Ribeiro, que já tem um livro de poesia publicado e já milita há algum tempo na cidade de São Gonçalo.


Após o poeta Nereis, a veterena da Taverna Michelle de Oliveira encantou o público com a beleza de sua poesia.




Eduardo Henrique, o Nephelim tavernista, outro veterano do evento, foi ao púlpito e destilou veneno, ou seria poesia? Irônico, trôpego como um bom tavernista e incisivo, Eduardo mandou a sua palavra mais uma vez em, como ele mesmo disse na entevista, sua casa.



O artista plástico Davi Vianna falou de seu trabalho que estava exposto no local e respondeu perguntas do público sobre as suas influências e suas técnicas.

Encerrando o sarau de poesia, os tavernistas Pakkatto e Rodrigo Santos recitaram seus poemas autorais.


Finalizando a noite, Leonard & Banda, sob o camando de João Leonard (ex-Anjo Torto)entraram em cena com muito Rock and Roll acústico, trazendo um time de peso.


Leonard apresentou algumas das músicas que farão parte de seu disco que está em fase final de produção, quase pronto para ser lançado.


Disto isso, mais um evento com sucesso de público e toda a magia da poesia, que todo mês faz do SESC São Gonçalo a sua casa. Até a próxima, evoé!

Agradecimentos: Ao público presente, ao SESC São Gonçalo, aos artistas que se aprtesentaram, a professora Mônica da Aliança Francesa de São Gonçalo (que gentilmente nos presenteou com um delicioso vinho), ao padrinho da Taverna Rod Britto, que compareceu com todo o seu carinho e amizade para nos contemplar com sua iluminada presença (valeu pelo vinho alemão, Rod), aos amigos e quem nos considera inimigos (e mesmo assim vai à Taverna). A todos, evoé!
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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Entevista com Eduardo H Martins: Um Nephelim entre nós!

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Essa entrevista deveria ter sido publicada antes do evento Uma Noite na Taverna do último dia 12 de novembro. Por motivos alheios a nossa vontade, estamos publicando somente hoje, dois dias após a Taverna. Todas as referências aqui deverão ser reportadas cronologicamente ao dia do evento, que já ocorreu. Evoé e bom entretenimento!

Eduardo H Martins é um e vários. Artista tavernista multifaces, é poeta, fotógrafo, designer gráfico, dee-jay (sob a alcunha de Eduardo Nephelim) e ainda traz um passado de peso como ex-baterista da lendária banda de Doom Metal Sybolic Immortality, e ainda como batera de ter tido o momento mágico de abrir um show para a banda Krisiun.

Seu fascíno pela arte é descarado, o Nephelim tavernista fala de arte com um um olhar fixo nos olhos de quem pergunta, respira fundo e a plenos pulmões expõe as suas idéias. Um anjo rebelde das noite gonçalenses e um filho amado da arte tarvernista.

Recebi Eduardo H Martins em minha casa na véspera do feriado de Finados, às 23 horas, mais ou menos. Abdicamos da cerveja e do vinho e optamos por uma overdose de cafés expressos. Sob a assombrosa noite em meu terraço, à luz de velas, em honraria à taverna e à memória de tantos mestres que não se encontram mais em nosso mundo, batemos um papo-cabeça sobre suas influências e experiências na música, poesia, no mundo das artes em geral, enfim, conheçam vocês mesmos o poeta, o amigo, o artista, o tavernista, pois como sabemos agora, há...

UM NEPHELIM ENTRE NÓS

Boa Noite, Eduardo. A arte sempre fez parte de sua vida?

Pelo menos desde que eu me entendo como gente. Na verdade, tudo começou... não sei, acho que desde criança. Eu sempre fui uma criança introspectiva, uma criança meio calada. Até minha mãe mesmo dizia que eu não era muito de chorar. Eu parava num cantinho, brincava sozinho... sei lá, no colégio também eu sempre fui bastante observador.

Quando você notou pela primeira vez que você tinha um dom para a arte?

Não sei nem se eu tenho (risos).

Começou na música, certo?

Bem, eu li uma matéria há algum tempo atrás, num blog de um amigo que me definiria muito bem... foi no blog de um amigo chamado Romulo Narducci (risos). Ele disse que brigava muito consigo mesmo, que não sabia no início se era poeta ou músico. Eu acho que isso me define bastante bem, porque eu tentava cantar minhas poesias, tentava... musicar... er... na verdade, eu acho que eu tentava musicar minhas poesias e cantar os meus pensamentos. Eu acho que é mais ou menos por aí.

Então essa coisa de você escrever pensando como compositor, já vem há muito mais tempo do que quando você se descobriu poeta?

Muito. Eu comecei a escrever, mais ou menos na época em que eu comecei a tocar com uns quinze ou dezesseis anos. Er... aí, eu comecei a tocar e comecei a fazer parte de alguns grupos, de algumas bandas e tudo o mais. Mas aquilo não era só o que eu pretendia. Sentar atrás de um instrumento , fazer um som era legal, mas...

Espera! Você falou em sentar-se atrás de um instrumento. Só para esclarecer...

É, bateria!

E o que você ouvia? Que tipo de música começou a te influenciar a ponto de você querer tocar e montar uma banda? Enfim, qual o estilo musical que te impulsionou a ser músico?

Bem, as primeiras coisas que eu me interessei, acho que mais ou menos era o que as pessoas de nossa idade costumava ouvir, que era Black Sabbath, Iron Maiden... eu criei um certo fascínio depois para ouvir The Doors, mas o que me fez escolher o instrumento mesmo, acho que foi o Rush.

Humm... Rush?

Foi... foi, eu tinha uns amigos que eram viciados no Rush. Inclusive, um deles faleceu há pouco tempo, que foi o Leandro. Eram gêmeos, inclusive. E ali todos eram fissurados pelo Rush. E aí, eles me mostraram isso e eu com os meus dezesseis ou dezessete anos, por aí. Bem, eu... eu já tinha um certo fascínio, comecei a tocar um pouco antes, mas ainda tinha determinadas dúvidas em relação a instrumento. Eu me configurei como baterista mesmo, depois que eu conheci o Rush.


Então, Neil Peart é o seu herói?

Foi o meu divisor de águas! Eu já tocava, mas eu tinha, ainda, aquela coisa do baixo, aí eu depois disse: “não, é isso que eu quero fazer!”

E qual foi a primeira banda que você tocou? Foi de Rock, certo? Na verdade, você fez sua carreira de músico sempre dentro do Rock, não é?

Bem, eu fiz muita coisa sem expressão. Tocava com amigos e tudo o mais. Mais, mesmo por diversão. Com meus dezessete anos, eu conheci uns amigos que resolveram: “Não, agora sim! Vamos fazer uma coisa séria!” Aí surgiu a Symbolic Immortality. Essa foi a minha primeira banda séria que eu tive. A gente chegou a gravar demo tape [fita k-7 que as bandas gravavam no estúdio], a compor de verdade, com música de início, meio e fim. Então, eu comecei a escrever e participar ativamente disso. A gente tocou em outros estados, gravamos duas demo tapes e um compacto que foi distribuído no mundo inteiro. Eu acho que até hoje tem gente ganhando dinheiro com isso, aí pra fora.

Como assim? Vocês não viram nenhum puto desse dinheiro?

Exatamente. A gente não viu nenhum tostão. A esmola que a gente teve por conta da gravadora, que não existia nessa época, pois eram apenas selos independentes, era que eles davam um determinado número de cópias de LP’s [Long Play / disco de vinil] para as bandas e o resto eles faziam o que eles quisessem. E você gravava, gastava dinheiro com ensaio, com instrumentos, que não era uma coisa barata; hoje em dia você tem uma certa facilidade.

Hoje você faz um estúdio em casa, mesmo.

É, se você tiver um computador e um programa decente, você monta um estúdio em casa.

E quem tocava com você no Symbolic Immortality?

Começou comigo, com Esaú, que era o baixista e vocalista, e... o Alan, que era o guitarrista, e é o meu amigo até hoje! Essa foi a primeira formação da banda. Depois, o Alan deixou a gente por motivos pessoais e tal, e entrou uma pessoa que até hoje em dia é bem conhecido no meio da arte gonçalense. Ele participou também, teve a sua colaboração. Se você perguntar para ele, ele vai dizer é que teve a sua parcela de culpa (risos).

Eu bem sei quem é.

Sim, o nosso amigo Leandro Ribeiro.

Eu sei que vocês têm muitas gravações. Inclusive, eu sou um privilegiado em ter algumas coisas da banda...

O compacto Yogan, foi gravado com ele [Leandro Ribeiro]. Ele participou de um material que foi distribuído pelo mundo inteiro. Saiu até uma matéria no jornal O Fluminense assim “Banda Gonçalense Explode na Europa!” Saiu essa matéria no jornal e eu nem tenho isso pra provar!

Poxa, com isso nem um show na Europa? Não apareceu grana, nem nada?

Não. Surgiram apenas alguns boatos. Eu recebi algumas cartas, mas nada que fosse considerável, até porque nessa época uma banda para sair daqui com os instrumentos nas costas, a própria banda que teria que bancar a passagem e a gente não tinha condições de fazer isso. Sair daqui, bancar tudo e ir para a Europa excurcionar, ninguém tinha condições de fazer isso. Todo mundo era assalariado, trabalhador, moleque, todos garotos, apenas, né. Nessa época eu tina apenas uns dezenove anos. Então, não tinha como fazer muita coisa.

E porque acabou?

A coisa foi acontecendo e chegou num certo patamar que... começamos a ter problemas internos, dentro da banda, problemas religiosos...

Religiosos? (risos)

É, o vocalista começou a se achar um deus e o resto da banda não concordava com isso (risos). Enfim, ele teve problemas, e aí a gente resolveu se afastar por nossos problemas pessoais também. A gente começou a se estranhar por causa de outras coisas, já não estava fluindo, já não tinha a mesma freqüência.

E depois do Symbolic Immortality, não surgiu mais nenhum projeto de expressão?

Eu fiz uma participação na Cold Blood, que é uma banda de uns amigos, foi legal, a gente até abriu um show pro Krisiun, que é uma banda hoje em dia mundialmente conhecida. Mas na verdade, foi mais para quebrar um galho, mesmo. Eles estavam precisando de um baterista para fazer esse show, porque por algum motivo o baterista deles não poderia tocar, aí eu fui lá. A gente ensaiou por um mês, uma coisa meio que briga comprada, né. Tipo: “Vamos tocar? Vamos tocar!” Ensaiamos por um mês e fomos para dentro pra ver no que ia dar. E foi bacana, foi bem legal.

Depois disso, você então parou com a música?

Eu fui viver! Fui viver, fui fazer outras coisas, participar de outras coisas. Foi quando o poeta começou a falar mais alto. E eu tinha muito pra dizer e ninguém pra me ouvir. Resolvi escrever. As coisas foram acontecendo e as pessoas começaram a prestar atenção.

Quando você recitou pela primeira vez? Quando você pôde mostrar isso para o público?

Nem me lembro, me diz você! (risos)

Er... foi na Taverna? (risos)

Foi, foi na Taverna! Culpa sua, inclusive!

Oh, mea culpa! (risos)

Como eu disse, eu sempre fui muito tímido, muito introspectivo.


Lembrei! Foi na época em que o evento acontecia no extinto Jardim da FASG [Fundação de Artes de São Gonçalo]!

Exato! Er... assim, veio meio que aquela coisa de “alguém vai ter que me conhecer pelas coisas que eu escrevo e eu não tenho ninguém para fazer por mim”.

E a partir daí, com o lado poeta assumido, não parou mais de escrever...

Não parei mais! Na verdade, eu nunca parei. A grande questão é que eu não tinha esse... esse... eu acho que não tenho até hoje esse feeling pra recitar. Principalmente as coisas que eu escrevo.

Sei. Mas agora a faceta do poeta é que coexiste com o Eduardo H Martins?

Exato. Está aí até hoje. Adormeceu durante um tempo, mas está aí! Apesar de até hoje, eu achar que as coisas que eu escrevo foram feitas para serem cantadas. Mas, hoje em dia eu consigo declamá-las. É muito complicado, porque eu... acho que isso acontece com todos os poetas, pois a partir do momento em que você abre aquele caderno de manuscritos pra alguém, acho que você está mostrando a sua nudez. A nudez de sua alma. A nudez de seu interior. Então, pra mim, hoje isso ainda é muito complicado. Tem muitas coisas que eu escrevo que eu não saberia recitar, coisas que eu não saberia como explicar... Inclusive tem uns tapas na cara que tomo até hoje ao pegar um caderno, uma coisa antiga, e ver que isso hoje em dia parece uma premonição e não uma poesia. Coisas que aconteceram em minha vida...

Que acaba ficando implícito no passado e volta como num looping, né?

Exato.

É acontece com nós poetas (risos).

Exatamente (risos).

E quais foram os escritores que despertaram em você a paixão pela poesia?

Ah, isso é muito fácil... Er... comecei ouvindo... Ih! Ouvindo? (risos)

Rapaz, olha que só estamos tomando café, hein! (risos)

Verdade! Bem, eu comecei com os clássicos que foram Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo... mas nesse caso, o meu divisor de águas na literatura foi o Fernando Pessoa.

Quer dizer que o Fernando Pessoa foi o seu mestre?

Não sei se isso é bom, ou é ruim (risos). Mas ele, a obra dele deu criação a outra, pode ter certeza. Assim, desobstruiu muita coisa a minha visão de ver as coisas, a minha forma de ver o mundo... O Poema em Linha Reta, acho que foi até o ”pior” de todos!É muito humano, é muito pessoal. A minha obra, a minha literatura, os meus poemas, são muito assim. Eu gosto de falar sobre as pessoas, eu gosto de falar sobre sentimentos. É muito bom você ler sobre outras coisas, falar sobre outras coisas, mas eu, Eduardo, gosto de falar de sentimentos.

É como diz o lema de seu blog, certo?

Vida, arte e... e...

Seria transtorno? (risos)

Nem eu me lembrava (risos)

Esse café ta foda! (risos) Mas sobre a questão de escrever sobre sentimentos, me diga, qual o sujeito, qual o eu poético que você encarta na sua poesia na hora da concepção? Por exemplo, antigamente eu mesmo dizia criar alguns personagens a partir de observações do meio e do cotidiano para escrever, o que na verdade era uma grande mentira...

O poeta é um fingidor!

Exatamente. Mas e quanto a você? São todos os seus transtornos expostos em sua poesia?

As vezes eu me apodero dos transtornos alheios, também. Eu gosto muito de ouvir as pessoas. Então, isso me ajuda bastante, eu tento entender essa... o que está na mente das pessoas, o que faz que elas tomem determinadas posições sobre determinadas situações, e eu canalizo isso. Mas eu gosto mesmo é de escrever na primeira pessoa. É muito por aí, eu me sirvo do sentimento alheio. Tem muita coisa que sou eu, mas as vezes eu misturo coisas minhas, sentimentos meus com sentimentos de outras pessoas. Então, er... mas eu gosto de me colocar nesse lugar, como se o sofredor fosse eu. Como se o poema se restringisse a mim. Eu gosto disso.

Você tem produzido bastante como poeta, tem escrito muitas poesias?

Não como eu gostaria.

E como você gostaria de estar produzindo?

A gente sempre quer escrever mais do que a gente está escrevendo. A gente sempre quer falar de muitas coisas. Tem uns temas que estavam me perturbando, então a gente acaba exorcizando algumas coisas, algumas sensações, algumas emoções... eu pelo menos, em termos de poesia, eu escrevo e deixo lá. Daqui a um tempo eu vou lá e olho. De repente, ela fica, de repente ela vai para algum lugar. Mas eu... isso é uma outra coisa que eu gosto de fazer. Pois eu não gosto que uma idéia me incomode, ela tem que sair da minha cabeça e ir para algum lugar, e ela vaia para ali!

Nem que seja um fragmento, né?

Nem que seja um fragmento, mas eu não gosto de fragmentos. Eu gosto de... eu fico... bem, eu tenho o costume de dizer que a poesia surge de uma idéia. Se essa idéia persistir por mais de três dias, ela vira poesia, ela vira conto, ela vira o que for. Mas ela só vai se tornar uma coisa se ela permanecer na sua cabeça por mais de três dias. Algumas pessoas tem esse hábito de pensar e já jogar [no papel]. Eu mesmo já fiz isso durante muito tempo, mas quando eu penso e jogo, normalmente eu vou lá e mexo. Mas quando ela permanece aqueles três dias, ou uma semana, ou até um mês, ela vira uma coisa melhor, modéstia à parte.

No seu caso, a poesia tem que ter, então, um tempo de maturação?

Exatamente. Ela está ali, ela está na incubadora, ela está se fortalecendo para se tornar uma coisa melhor que um fragmento. É uma espécie de masturbação mental, ela vai surgindo, a gente vai brincando com a idéia, o fragmento vira uma idéia, a idéia dá uma razão a um sentimento, daí ela sai. Normalmente quando ela sai assim, ela sai muito melhor do que escrever um fragmento e dali partir para o que for, conto, poesia e tudo o mais.

Já pensa num livro?

Idéia de livro? Uhum! Eu tenho a idéia de um romance que está me perturbando há um ano. É um romance que trata sobre um personagem que a partir de um momento em que ele toma uma decisão na vida... er... tudo muda... a intenção é mais ou menos essa, o nome do romance será “Do Outro Lado da Rua”. A partir do momento em que ele resolve atravessar pro outro lado da rua, a sua vida muda. Na verdade, seria uma menção a essa coisa de decisões, de você ter que tomar decisões, escolhê-las, sendo elas as melhores ou não. Eu tenho o costume de dizer que eu não tenho muito orgulho de todas as decisões que eu tomei na minha vida. Mas eu tenho orgulho de ter tido as decisões que eu precisei tomar na minha vida. Eu tenho orgulho de ter uma história, de precisar tomar essas decisões. Posso não me orgulhar de todas elas, mas me orgulho de tê-las.

E poesia? Algum plano já para um livro de poesia? Afinal, você já tem bastante coisa escrita e já tem gente te perturbando por isso...

Tem gente sim, me perturbando! Vossa pessoa, inclusive, né? (risos)

Eu não sei de nada! Mas diz aí!

Bem, idéia... sempre tem, né? Sempre tem alguma coisa pra acontecer... er... eu estou pensando de até o início do próximo ano, de 2011, dar seqüência nisso, num livro de poesia. Não sei se vai sair antes do romance, mas... as coisas vai acontecendo. Eu vou deixar as coisas acontecendo, até porque estou numa fase de muitas pretensões artísticas. Estou me envolvendo cada vez mais, nisso.

E tem a fotografia também, não é?

É. É uma das minhas paixões! Eu tenho a idéia de um livro que trabalhe a fotografia e a poesia. Sei que tem muita gente que já faz isso, de casar uma imagem com um poema. Mas será uma imagem minha com um poema meu. O poema vai explicar a imagem e a imagem vai definir o poema. Essa coisa é difícil, você casar uma imagem com um poema. Eu tenho poemas que eu tenho imagens na cabeça. Não sei nem se eu vou conseguir fotografar esse poema, ou explicar essa imagem. Mas... eu vou tentar, vou tentar. É um projeto que... é uma outra coisa que eu já estou pensando durante muito tempo. É mais uma idéia que me incomoda há muito tempo.

Quer dizer que você é um homem atormentado pelas suas idéias (risos).

Muito, muito atormentado (risos). E elas estão guardadas há muito tempo. Então resolvi colocar tudo pra fora. Tem uma hora que, eu não sei... se o mundo vai me agradecer ou não (risos).

Mas, porquê? O artista tem que simplesmente criar e “ponto”.

Eu sei, mas eu não sei se as pessoas vão gostar. Foi isso que eu quis dizer.

Não esquenta, o artista quando incompreendido será um dia honrado pela posteridade.

É... é... eu espero não ter que esperar uns cinqüenta ou cem anos para ser compreendido, né? (risos) Nem tenho a pretensão, mas... para me tornar tese de mestrado de alguém (mais risos) ou coisa parecida... mas enfim, eu também não peço muito. Só que as pessoas me leiam, gostando ou não. Que venham as críticas!

Fazendo um pouco de “universo umbigo”, falemos um pouco sobre a Taverna, o que é o Uma Noite na Taverna para você?

Eu acho que não tem melhor palavra para definir a Taverna do que “casa”. Pra mim, a Taverna é minha casa. Desde o início, eu participei e acompanhei as idéias iniciais do projeto, eu me lembro que você eu já conheço há bastante tempo, mas o Rodrigo eu conheci através dessa idealização da Taverna. E eu adorei ver esse filho nascendo, adorei participar da criação e adorei ver a criança correndo... e a criança está crescendo!

Crescendo nervosa! (risos)

Está ficando nervosa, ficando abusada, ficando revoltada... Hoje em dia até quem não gosta de poesia conhece o Uma Noite na Taverna. E as pessoas vão para conhecer e acabam gostando. Eu tive a honra de estar em alguns eventos e perceber... assistir a alguns poetas novos que já são influenciados por Rodrigo Santos e Rômulo Narducci. Isso é fantástico!

Tá! Chega! (risos) Rapaz, me diz aí, e a arte em nossa cidade? Como você vê a arte na cidade de São Gonçalo?

Hoje eu vejo arte em São Gonçalo! Há 6 anos e pouco atrás eu não via arte em São Gonçalo! É por isso que eu digo que eu chamo a Taverna de minha casa, porque eu vi esse filho nascer, vi essa criança crescer e antes você não tinha nada disso. Era uma casa vazia, sem brilho, sem alegria. Ainda é uma cidade dormitório!

E o que você acha que precisa para mudar isso? Esse quadro de cidade dormitório?

As pessoas deixarem de olhar para os seus próprios umbigos! Porque quando aparece algum projeto “cultural” em São Gonçalo, a pessoa está mais preocupada em autopromoção. Então, faz um, dois, três eventos... e a pessoa está preocupada em falar sobre coisas particulares do que sobre cultura de verdade. Eu acho que é por isso que a Taverna deu tão certo. Porque é um evento multicultural. Não é como você falou de universo umbigo. Eu tenho consciência de que eu estou aqui hoje, por merecimento. Mas eu também acho que tem algumas pessoas que não teriam onde fazer isso e a Taverna abriu as portas para essas pessoas, elas sendo boas ou não. Então, a partir daí você vê, quem é bom ou não. Quem tem alguma coisa para mostrar ou não. Tem pessoas que já se apresentaram no Uma Noite na Taverna e depois sumiram. Voltaram para suas vidas e tudo mais. Diante de um momento que elas viram uma oportunidade de aparecer... de... criar alguma coisa, só que não souberam dar seguimento a isso. E, enfim, eu acho que artista não tem que se preocupar com a imagem, a sua imagem, como eu já disse antes, a partir do momento em que eu mostro um manuscrito para uma pessoa eu estou tirando a minha roupa, a partir do momento em que eu declamo os meus poemas eu estou abrindo o meu peito. Então, isso é muito difícil, mas ao mesmo tempo gratificante. Não porque as pessoas aplaudem, não porque as pessoas estão gostando, tem muita gente que não gosta, a gente sabe disso, tem muita gente que não presta atenção e no final da história bate palmas. Mas também, tem muitas pessoas que saem de lá e olham na sua cara e dizem que você pode não ser bom, mas sabe o que dizer. É mais ou menos por aí. Minha poesia não vai mudar nada! Não vai mudar o mundo! Não vai mudar a cabeça de uma, duas ou três pessoas, mas a partir do momento em que essa pessoa presta atenção em alguma coisa que eu escrevo, isso é gratificante.

Cada poesia para um poeta é como um filho. Eu sei que é difícil escolher entre elas, mas cada um tem alguma poesia que marca a sua obra. No seu caso, qual a sua poesia que você considera dessa forma?

Tem uma que é sem título, inclusive. Ela fala sobre hipocrisia. Ela fala sobre uma coisa implícita... você faz ou não o que quer, na frente de quem você quer ou não... e ela termina simplesmente assim: “Talvez os meus amigos estejam bêbados de mais para conversar.” É mais ou menos, por aí. Estou cansado de tapinhas nas costas. Um olhar diz muito mais do que um tapinha nas costas. Essa poesia fala sobre isso.

Eu a conheço! Com certeza vai recitar nessa Taverna [hoje mais tarde], né?

Eu não pensei, não, mas agora... (risos) Tem algumas outras que eu gosto, mas eu acho que essa é o grito de foda-se e... aquela coisa da idéia que ficou martelando, martelando... e quando ela saiu, já estava pronta. Nela eu não mexi nenhuma palavra... foi! Tenho outras, mais ou menos na mesma linha, mas essa foi uma das primeiras... tem também o “Poema Mudo” que eu gosto bastante também, inclusive eu ouvi de uma pessoa que disse que isso é muito sério, tipo se eu estava falando sério mesmo quando eu escrevi isso. Sim, no caso do “Poema Mudo” eu quis dizer exatamente o que está escrito ali.

Está no seu blog, né? Qual o endereço de seu blog?

É www. eduardohmartins ... er...

Seria blogspot? (risos) Esse café, hein!

Esse café está maravilhoso! (risos)

E pra Taverna do dia 12? [que aconteceu na última sexta] O que você está preparando para recitar? Algo que está em seu blog, já que falamos de seu blog com a pausa do café? (risos)

Eu tenho alguns poemas novos que eu vou recitar. E não esperem nada muito bonitinho... porque como eu já disse antes eu estou cansado de muita hipocrisia, muito tapinha nas costas, muitas caras-e-bocas, vai ter um que a intenção não é querer chocar, mas deixa no ar uma mensagem em relação a pose! Postura! Muito sorriso, muito... eu tenho também um poema que fala sobre as expressões de um sorriso. Nem sempre são os melhores. É sobre alguém que substitui algumas respostas por um sorriso. Nossa, esse deve ter uns cinco anos e continua sendo atual. A coisa do looping que você falou antes. Na verdade, eu creio que seja um desabafo em relação a tudo isso. Só não esperem coisinhas bonitinhas, é por aí.

Mas quem espera coisinhas bonitinhas na Taverna? Então, Eduardo, quero dizer que foi um prazer em receber você aqui na minha casa... são exatamente 1h da manhã, estamos entrando no dia de Finados... enfim, baterista, poeta, fotógrafo, designer...

Designer gráfico! Senão daqui há pouco tem gente me chamando para fazer decoração! (risos)

Tá certo! E também um pensador, um tavernista que carrega e tremula alto a nossa bandeira! Para finalizar, vamos a minha pergunta clichê, o que você gostaria de falar para o pessoal que vai estar na próxima Taverna [como já dito, o evento ocorreu na última sexta, dia 12/11]?

Bem, a Taverna é feita de público, de poetas, músicos e de admiradores, enfim, eu acho que já que a pessoa está ali, que não vá para conversar, que preste atenção no artista que está ali. Tanto no músico, quanto no poeta, porque a pessoa que está ali na frente está ali para se expor de alguma forma, ela precisa. Se a pessoa está se expondo, eu acho que o público poderia considerar mais isso. É isso, que as pessoas continuem indo, não só para beber vinho, mas para prestar atenção. As vezes você vê um quadro na parede e vê que as pessoas passam umas quinze vezes por ele e não olham. Lembrando que tem um artista plástico que pintou aquilo, que teve uma pessoa que se preocupou com a idealização daquele quadro. Não custa prestar atenção. Até porque cultura não é desperdício, não é perda de tempo, e a arte é sublime. Você perder uns cinco minutos conversando com o artista para saber porque ele pintou o quadro ou escreveu aquela poesia. Isso não é desperdício, nunca!

Evoé, meu caro!

Evoé!



Conheçam o trabalho do poeta no blog:

http://eduardohmartins.blogspot.com/

Entevista: Romulo Narducci.

Fotos: Beatriz Peixoto, Romulo Narducci e Eduardo H Martins.

Edição feita ao som de Smashing Pumpikins (Adore), Symbolic Immortality ( Yogan e Perpetualis Sacrificalis) e Moonspell (Darkness and Hopes) acompanhado de uma garrafa de vinho alemão Josepf Drathen, tipo "Liebfraumilch" (presente de Rod Britto na Taverna).

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